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PERSEGUIDAS

Conforme os direitos das mulheres e minorias avançaram, uma parcela dos homens se sentiu vitimizada e prejudicada por tais conquistas, acreditando que existe um complô feminino para dominar o mundo. Diante disso, a cientista política Bruna Camillo destaca que ao longo das últimas décadas diversos grupos começam se organizar motivados pelo rancor.

“É o ressentimento por não serem economicamente como gostariam, porque é culpa das mulheres, porque elas são interesseiras. Eles estão ali, abaixo do seu bem estar, porque a mulher ocupou a vaga no mercado de trabalho, porque a mulher não o quis afetivamente, então ele foi renegado”, diz ela.

Em meados das décadas de 1970-1980, esses homens começaram a ocupar o ambiente online, em fóruns anônimos, com o intuito de defender os direitos dos homens (brancos) perante os progressos dos direitos de minorias. A partir disso, surgiram subculturas masculinistas, como: RedPill, Alpha, Incel, PickupArtists, Mgtow e Sigma, entre outras.  

Essas correntes tomaram força, passando a alcançar de maneira rápida e massificada um número maior de homens, com a difusão da internet na vida das pessoas. A cientista politica sinaliza que, se na década de 1970 os chamados “mascus” precisavam escrever livros ou debater suas pautas misóginas em fóruns pouco conhecidos, hoje os coachs de masculinidade reúnem milhões de acessos nas redes sociais com vídeos curtos com falas como: “sexo é extremamente facil e barato hoje em dia graças ao feminismo”.

A psicóloga Tatiana Wandekoken, pesquisadora sobre masculinismo, explica que “existe uma hierarquia que é colocada dentro desses próprios grupos”. Além disso, apesar de seguirem ideologias diferentes, todos têm um único ideal: resgatar a virilidade e voltar para o topo da “cadeia alimentar”. 

  Entenda as diferenças entre os grupos   

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RedPill

Os Redpill acreditam que o mundo é dominado por mulheres, e ao tomar a pílula vermelha - referência ao filme "Matrix" - despertam dessa realidade.

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 Incel 

Os Incels são celibatários involuntários que culpam as mulheres por não conseguirem estabelecer relacionamentos casuais ou românticos.

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 Mgtow 

Os Mgtow não aceitam se relacionar amorosamente e tratam as mulheres como objetos unicamente sexuais. 

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 Alpha 

Os Alphas se colocam como superiores biologicamente às mulheres e outros homens, considerados "betas". Eles gostam de se exibir.

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 PickupArtists 

Os PickupArtists se consideram artistas da sedução, vendem cursos e ensinam outros homens a conquistar mulheres -- no geral, reproduzindo falas sexistas. 

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Sigma

Os Sigmas se consideram altamente independentes e autossuficientes. Não dependem da opinião dos outros, sabem quem são e como alcançar o sucesso.

Apesar das semelhanças, a pesquisadora Tatiana Wandekoken frisa que há uma disparidade complexa entre os grupos. “Não dá para colocar todas essas masculinidades no mesmo saco e tentar entender como elas operam. É preciso entrar individualmente nesses subgrupos para tentar compreender a motivação de cada movimento específico”, pondera a especialista. 

 

Acompanhando o crescimento desses grupos, a organização Americana Southern Poverty Law Centre (SPLC), referência em monitoramento de movimento extremistas, definiu os grupos masculinistas como uma “supremacia masculina de ideologia odiosa enraizada na crença na superioridade inata dos homens cisgénero e no seu direito de subjugar mulheres, homens trans e pessoas não binárias”.

Apesar dos órgãos de proteção definirem os atos agressivos como crimes, alguns dos integrantes desses movimentos não se consideram misóginos ou aceitam ser definidos como masculinistas, enfatiza a cientista política. “Na verdade deles, eles não são criminosos, não são contra a lei, não estão indo contra a vida das mulheres. Muito pelo contrário, as mulheres que vão contra as vidas deles”, ressalta Camillo.

Por outro lado, a cientista política Bruna Camillo reitera que os conteúdos podem ser de fato considerados misóginos e fazem parte de um “guarda-chuva” de violência de gênero, que pode se materializar na morte da mulher. “Então, se a gente fala de misoginia, a gente fala do completo ódio contra as mulheres. A gente fala de feminicídio, a gente fala de violência doméstica, a gente fala de tudo isso que pode, de fato, atravessar a vida da mulher de forma fatal”, sublinha.

       A mercantilização da misoginia         

A mercantilização da misoginia
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ABOMINADAS

Crédito: Imagens da pesquisa de Bruna Camillo (2023) e redes sociais da Claudia Campolina.

Para analisar como esses extremistas agem, em 2022, a pesquisadora Bruna Camillo se infiltrou em grupos no Telegram,  que não têm representante legal no Brasil, tornando o ambiente mais atraente às comunidades masculinistas. Durante o monitoramento, ela observou que as mulheres de direita também não eram poupadas do discurso de ódio e eram definidas como “conservadias”

A especialista conta que, apesar do uso da expressão para se referir às conservadoras de direita tê-la surpreendido, um jogo perverso entre os integrantes dos grupos chamou mais atenção. O desafio consistia em procurar feministas de esquerda em aplicativos de relacionamento, se envolver com elas e, durante o ato sexual gritar: "Bolsonaro!”.

“Se quando eu li conservadias foi algo assustador, quando eu vi esse experimento deles em aplicativos de relacionamento, eu achei isso aterrorizante”, confessa Bruna Camillo, preocupada com a seguranças das vítimas.

O perfil desses homens é parecido: tanto as especialistas, quanto vítimas, constatam que são cisgênero (se identifica com o gênero que nasceu), brancos e de extrema-direita. A pesquisadora relata que não viu nenhum que sinalizasse nem mesmo ao centro político e reitera: “eu não reconheço masculinista de esquerda. Não que homens da esquerda não sejam misóginos e machistas, mas não masculinistas”.

Assim como a manosfera, a extrema-direita é movida pelo ressentimento do avanço dos direitos das minorias, sublinha a especialista. Eles bebem da mesma fonte ideológica e parte deles acreditam ter “sangue puro ariano”, mesmo o Brasil sendo latino e miscigenado. Bruna Camilo entrevistou a falecida Adriana Dias, conhecida como a caçadora de nazista no país, que confirmou esse cenário de nazificação: “ela me falou, a Lola concordou, e a Michelle Prado também reafirmou que todo nazista é masculinista e todo masculinista está sendo nazificado”.

Embora o ataque seja mais violento contras as mulheres que se enquadrem em outras minorias, como negras ou indígenas, pode-se perceber discursos violentos contras até mesmo às que assumem o papel de submissas. A psicóloga Tatiana Wandekoken alega que isso pode ser visto na atual lógica de valor sexual de mercado feminino falada pelos masculinistas, na qual algumas são taxadas como adequadas para casar e outras não. No final das contas, a especialista relata que ambas são tratadas de forma objetificada, independentemente de qual lugar ocupe.

Além do conteúdo de ódio e aversão ao sexo oposto, esses homens também atacam outras minorias. “Eles são sempre machistas, racistas, LGBTQIA+ fóbicos, transfóbicos, capacitistas, estaristas, gordofóbicos, tudo o que você puder imaginar de preconceito eles têm”, revela Lola Aronovich, que é alvo de ataques há anos por ter um blog feminista. 

A psicóloga Tatiana Wandekoken adverte que, diante das manifestações violentas, é importante que o país repense as formas de proteção às minorias. “A maneira com que a sociedade está se organizando enquanto instituição política e estatal para não permitir que esse discurso se prolifere da forma que eles estão se proliferando nos últimos anos e nas últimas décadas”, diz. 

         Reportagem: Furando a bolha         

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VINGADAS

Brincar com as ideologias de gênero, sobre o que é papel de menino e o que é papel de menina não é uma coisa nova. No cinema, por exemplo, há uma lista enorme de tramas que abordam o tema e, geralmente, usam o humor para tocar em problemas sensíveis. Seguindo nessa onda, a atriz Claudia Campolina criou a ácida série online “Mundo Invertido”, onde vive uma personagem que prega a supremacia da mulher em relação ao homem.

Claudia conta que a ideia surgiu após passar em frente a um boteco e imaginar um filme onde mulheres assumissem aquele papel e tratassem o sexo oposto como são tratadas. “Então eu peguei frases muito clichês, as mais básicas possíveis, que a gente ouve praticamente desde que a gente nasce, como: fecha essas pernas, mocinha; Mulher não pode falar palavrão… e inverti tudo isso”, declara.

Logo após as primeiras postagens, os vídeos viralizaram e atraíram seguidores que se divertiram com a brincadeira. Em suas redes sociais, as mulheres se comportam como se habitassem o mundo invertido, onde são elas que fazem o papel dos homens machistas. “Eu costumo dizer que é o inferno dos machistas. E a gente está sempre se comportando como verdadeiras mulheres que eu chamo de femistas, que é o oposto do machista e não a feminista, como querem dizer, de uma forma muito opressora, muito violenta, muito orgulhosa dos seus preconceitos”, descreve.

Por outro lado, há internautas que se sentem atacados, relata a atriz. “Não é que não apareça nenhum hater, pode aparecer, mas é infinitamente menor em número do que quando eu falo que o cara é calvo ou brocha, ou com a bengala gasta, porque você pode tudo, menos falar do pênis, então você tem uma ferida aí”, expõe Claudia, ressaltando o problema da sociedade estar centrada num órgão masculino que nem ele tem controle sobre ele.

“O intuito é realmente tocar na ferida”, assume a atriz. Embora o objetivo seja fazer as mulheres se divertirem e aliviar a tensão de viver num mundo patriarcal e machista, Claudia explica que também é uma forma de fazer as pessoas entenderem que o machismo ainda é muito presente e “brincar de vingança”.

A artista revela que não sente medo, apesar dos ataques constantes. Todavia, ela diz que tem consciência do perigo que corre: “Eu sei que eu posso estar correndo algum risco e isso acho que é o preço que eu pago por tocar num tema tão sensível da maneira que eu toco”.

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